O
Rio de Machado de Assis
Em 1840 - um ano depois do nascimento de Machado de Assis
- começa no país o Segundo Reinado. O príncipe herdeiro
Dom Pedro II, aos 14 anos de idade, tem sua maioridade antecipada
e no ano seguinte é coroado Imperador do Brasil. O Rio de
Janeiro, capital do reino desde 1808, além de principal
centro urbano do país, é também seu centro político e nervoso.
Em todos os setores, a cidade manifesta fortes ambições
cosmopolitas de inspiração européia.
Considerado prudente e austero, Dom Pedro II empenhou-se
em conciliar os interesses da elite. Cumpria com afinco
suas obrigações burocráticas, cultivava a literatura e gostava
de cercar-se de artistas e intelectuais. Os principais jornais
do país ficavam no Rio de Janeiro, e tinham suas sedes na
Rua do Ouvidor: O Jornal do Comércio, fundado em 1827, e
a Gazeta de Notícias, de 1874. Em 1887, José do Patrocínio
fundava o jornal A Cidade do Rio, importante veículo abolicionista,
defendido por setores da sociedade.
Do ponto de vista humano e urbanístico, o Rio de Janeiro
em que Machado de Assis viveu dificilmente poderia ser considerado
"a cidade maravilhosa" que se transformaria no mais conhecido
cartão postal do país. A paisagem natural imponente servia
de cenário para inúmeras mazelas sociais, incluindo graves
problemas de saúde pública e planejamento urbano. Em boa
parte da maior metrópole brasileira, as ruas eram estreitas,
as vielas sujas, e a iluminação, rede de esgotos e abastecimento
de água eram inexistentes ou precários.
As casas de tijolo e alvenaria eram escassas, e uma parcela
significativa da população era obrigada a procurar moradia
em cortiços e favelas, enquanto um segmento reduzido vivia
em elegantes palacetes nas ruas de Botafogo e Laranjeiras.
Entre os dois extremos - cortiços e palacetes - uma classe
média emergente expandia a cidade para os subúrbios construindo
casas singelas. Esta nova classe social era formada por
pequenos assalariados, funcionários públicos, negociantes
bem-sucedidos, médicos e integrantes das milícias nas últimas
décadas do século XIX.
Os transportes urbanos praticamente não existiam, e os que
haviam ainda eram de tração animal - charretes ou carroças
puxadas por um ou dois cavalos, quando não por braços humanos.
Foi somente a partir de 1892 que alguns bondinhos, chamados
"elétricos" começam a circular na cidade, ligando o Flamengo
e o Largo da Carioca.
Embora a cidade cultivasse um lado "Belle Époque", de saraus,
costumes de influência européia e moda importada de Paris,
a imensa maioria da população defendia a sobrevivência nas
ruas. Vendia-se de tudo nas calçadas - leite, aves, frutas,
legumes, sorvetes, miudezas. A cidade poderia dar a impressão
de uma grande feira, e o comércio era, de fato, a atividade
que mais progredia na cidade. Na virada do século, a renda
da cidade provinha basicamente dos serviços públicos, do
movimento do porto e do comércio.
O crescimento desordenado da cidade (690 mil habitantes
na virada do século) e a inexistência de saneamento básico
formavam um solo fértil para o aparecimento de doenças.
E o Rio de Janeiro do tempo de Machado de Assis foi, antes
de tudo, perigosamente insalubre. A febre amarela, a varíola,
a cólera e a peste eram algumas das graves doenças que ameaçavam
a população, sobretudo nos meses do verão. Por isso, durante
os meses mais quentes, as famílias de maior poder aquisitivo
trocavam os perigos do Rio pelo ar mais saudável de Petrópolis,
elegante reduto dos cortesãos de Dom Pedro II.
Na cidade de profundos contrastes sociais, a abolição da
escravatura em 1888 e o fim da monarquia estimulavam ímpetos
modernistas. Medidas sanitárias impostas pelo médico Oswaldo
Cruz no início do século e obras urbanísticas realizadas
pelo Prefeito Pereira Passos anunciavam uma nova era para
a capital da República. Nos poucos anos que antecederam
a morte de Machado de Assis, o Rio de Janeiro passou por
profundas transformações. "Era a transição da cidade malsã
para a "maravilhosa", definiu o escritor Pedro Calmon.
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